Tratamento de Canal: Por Que Tanta Gente Tem Medo?
"Vou ter que fazer canal" - essa frase assusta muita gente. A reputação do tratamento de canal é muito pior que a realidade. Vejo regularmente pacientes que adiaram o tratamento por anos devido ao medo, mas depois comentam surpresos: "Foi só isso? Pensei que seria muito pior."
A verdade? Com técnicas modernas e anestesia adequada, o procedimento é comparável a fazer uma restauração. E mais importante: fazer canal salva seu dente natural - algo que nenhum implante ou prótese consegue substituir completamente.
Neste artigo, vou explicar quando o tratamento de canal é necessário, como funciona o procedimento moderno, o que esperar em relação à dor, e por que vale a pena preservar seu dente natural.
Quando o Canal É Necessário?
O tratamento de canal (endodontia) é necessário quando a polpa do dente - tecido mole interno com nervos e vasos sanguíneos - está infectada ou inflamada de forma irreversível.
Causas Comuns
- Cárie profunda: Quando a cárie atinge o nervo do dente
- Trauma dental: Batida, queda ou fratura que danifica a polpa
- Trinca profunda: Rachaduras no dente que permitem entrada de bactérias
- Restaurações repetidas: Múltiplas restaurações profundas no mesmo dente
- Infecção periodontal: Doença gengival avançada que afeta a polpa
Sintomas Que Indicam Necessidade de Canal
- Dor intensa e espontânea: Especialmente à noite, que acorda você
- Sensibilidade prolongada: Ao quente ou frio que dura vários minutos após remover o estímulo
- Dor ao mastigar: Ou ao tocar o dente
- Escurecimento do dente: Mudança de cor gradual
- Inchaço gengival: Gengiva inchada e sensível ao redor do dente
- Fístula: "Bolinha" na gengiva que drena pus
- Abscesso: Infecção visível com inchaço facial
Nem sempre há sintomas. Às vezes, uma infecção crônica é detectada apenas em radiografias de rotina. Por isso check-ups regulares são importantes.
O Procedimento Moderno: Tecnologia e Precisão
O tratamento de canal mudou drasticamente nas últimas décadas. Tecnologia moderna tornou o procedimento mais previsível, mais rápido e mais confortável.
Etapas do Tratamento
1. Anestesia e Conforto
Anestesia local para total conforto. Com a anestesia adequada, você não sentirá dor durante o procedimento. Se você tem ansiedade, opções de sedação consciente estão disponíveis.
2. Isolamento Absoluto
Coloco um lençol de borracha (isolamento absoluto) para manter o dente seco e livre de bactérias da saliva. Isso é crítico para o sucesso do tratamento - mantém o campo operatório estéril.
3. Acesso à Polpa
Faço uma abertura precisa na coroa do dente para acessar a câmara pulpar e os canais radiculares.
4. Remoção da Polpa Infectada
Usando instrumentos especializados (limas endodônticas), removo toda a polpa infectada dos canais. Hoje, uso instrumentos rotatórios de níquel-titânio que são muito mais eficientes e seguros que as limas manuais antigas.
5. Medição e Limpeza dos Canais
Uso localizador apical eletrônico para medir com precisão o comprimento dos canais. Isso elimina necessidade de múltiplas radiografias durante o procedimento e garante que vou limpar todo o canal, até o ápice.
6. Desinfecção Profunda
Limpo e desinfeto os canais com soluções irrigantes - geralmente hipoclorito de sódio e EDTA. Esta etapa é crucial para eliminar bactérias remanescentes.
7. Obturação dos Canais
Preencho os canais completamente com guta-percha (material biocompatível) e selador endodôntico, fechando hermeticamente todo o espaço. Isso previne reinfecção.
8. Restauração Provisória
Coloco restauração provisória. A restauração definitiva - geralmente uma coroa - será feita posteriormente, após confirmar que não há sintomas.
Taxa de Sucesso: O Que Dizem as Evidências
Tratamento de canal é altamente previsível. Estudos recentes mostram taxas de sucesso impressionantes:
Uma revisão sistemática de 2022 analisando estudos de longo prazo encontrou que o tratamento de canal primário tem taxa de sucesso entre 86-93% em acompanhamento de 8-10 anos[1].
Um estudo de 2023 acompanhando pacientes por até 37 anos mostrou taxas de sobrevivência de 97% em 10 anos, 81% em 20 anos, e 76% em 30 anos[2]. As taxas de sucesso endodôntico (ausência de lesão periapical) foram ainda maiores: 93% em 10 anos e mantendo-se em 81% após 37 anos.
Importante: dentes que recebem canal seguido de coroa duram em média 20 anos. Dentes com canal mas apenas restauração simples duram cerca de 11 anos[2]. A restauração adequada é tão importante quanto o canal em si.
Por Que Salvar o Dente Natural?
Você pode estar pensando: "Por que não extrair e colocar um implante?" É uma pergunta válida. Mas seu dente natural oferece vantagens que nenhum substituto consegue igualar:
Função Superior
Propriocepção: Seu dente natural tem ligamento periodontal com receptores nervosos que informam ao cérebro a força da mordida. Isso permite mastigação mais eficiente e protege contra sobrecarga. Implantes não têm isso.
Adaptação à força: O ligamento periodontal age como amortecedor natural, absorvendo forças da mastigação. Implantes se integram rigidamente ao osso.
Preservação Óssea
Seu dente natural estimula o osso ao redor através do ligamento periodontal. Isso mantém volume e altura óssea estáveis. Com extração, você perde esse estímulo e o osso reabsorve gradualmente.
Custo e Complexidade
Tratamento de canal + coroa é mais simples, mais rápido e geralmente menos custoso que extração + implante + coroa. Implantes requerem cirurgia, tempo de osseointegração (3-6 meses), e procedimentos adicionais se houver perda óssea.
Longevidade
Com tratamento adequado, seu dente natural pode durar décadas - frequentemente a vida toda[2]. Implantes também podem durar muito, mas não são imunes a complicações (peri-implantite, fratura, afrouxamento).
Seu dente natural é sempre a primeira escolha. Implantes são excelentes quando não há alternativa, mas preservar o natural é melhor.
Dor: Expectativas Realistas
A pergunta que todos fazem: vai doer?
Durante o Procedimento
Não. Com anestesia adequada, você não sentirá dor. Pode sentir pressão ou vibração, mas não dor. Se sentir qualquer desconforto, avise imediatamente - posso aplicar mais anestésico.
Após o Procedimento
Desconforto pós-operatório varia. Estudos mostram que dor após tratamento de canal ocorre em 3-69% dos pacientes, dependendo de vários fatores[3]. Fatores que aumentam dor pós-operatória:
- Dente com infecção ativa antes do tratamento
- Presença de sintomas severos pré-tratamento
- Dentes posteriores (molares)
- Retratamento (segundo canal no mesmo dente)
Na maioria dos casos, desconforto é leve a moderado e dura 2-3 dias. Anti-inflamatórios não esteroidais (ibuprofeno 400-600mg) controlam bem a dor[3]. Muitos pacientes não precisam de analgésicos além das primeiras 24 horas.
E olha, algo que sempre digo: a grande maioria dos meus pacientes comenta que a dor ANTES do tratamento era muito pior que qualquer desconforto DEPOIS. O canal alivia a dor, não causa.
Uma ou Múltiplas Consultas?
Depende da complexidade do caso.
Consulta Única (Sessão Única)
Para casos simples - dente vital, sem infecção ativa, anatomia favorável - posso fazer todo o tratamento em uma sessão. Revisões sistemáticas mostram que não há diferença significativa em taxa de sucesso ou dor pós-operatória entre sessão única e múltiplas sessões[4].
Vantagem: Resolve tudo em uma visita, menos tempo total de tratamento.
Múltiplas Consultas
Para casos complexos - infecção severa, abscesso, anatomia difícil, múltiplos canais - prefiro dividir em 2-3 consultas.
Primeira consulta: Remoção da polpa infectada, limpeza e desinfecção, medicação intracanal (geralmente hidróxido de cálcio).
Segunda consulta: 7-14 dias depois, remoção da medicação, desinfecção final e obturação dos canais.
Vantagem: Medicação intracanal entre consultas ajuda a reduzir carga bacteriana em infecções severas.
Estudos mostram resultados equivalentes para ambas abordagens quando bem indicadas[4]. A escolha depende do caso clínico específico.
Mitos Sobre Tratamento de Canal
Mito 1: "Canal enfraquece o dente"
Parcialmente verdade, mas incompleto. O que enfraquece o dente não é o canal em si, mas a perda de estrutura dentária (pela cárie, fratura, ou acesso necessário). Por isso a coroa é essencial - ela protege o dente enfraquecido.
Mito 2: "Canal causa doenças sistêmicas"
Não há evidência científica para isso. Essa ideia vem de pesquisas desacreditadas do início do século 20. Estudos modernos não encontram associação entre tratamento de canal e doenças sistêmicas.
Mito 3: "Se não dói, não precisa de canal"
Falso. Infecções crônicas podem não causar dor, mas ainda precisam de tratamento. Radiografias mostram lesões periapicais (infecção no osso) mesmo sem sintomas.
Mito 4: "Melhor extrair que fazer canal"
Não. Preservar o dente natural é sempre preferível quando viável. Evidências mostram excelente longevidade com tratamento de canal adequado[2].
Após o Canal: Cuidados e Restauração
Tratamento de canal não termina quando você sai do consultório. A restauração definitiva é crítica para o sucesso a longo prazo.
Restauração Definitiva
Dentes tratados endodonticamente precisam de restauração adequada - geralmente uma coroa. Faça isso dentro de 2-4 semanas após o canal. Estudos mostram que dentes restaurados adequadamente duram significativamente mais[2].
Higiene Oral
Continue escovando e usando fio dental normalmente. Dente com canal precisa dos mesmos cuidados que qualquer outro dente. Ele ainda pode desenvolver cárie na coroa ou doença periodontal.
Acompanhamento
Consultas de acompanhamento são importantes. Vou avaliar radiograficamente a cura da lesão periapical (se havia) e verificar integridade da restauração. Acompanhamento aos 6 meses e 1 ano após o tratamento é protocolo padrão.
Quando Canal Falha: Retratamento
Embora taxas de sucesso sejam altas, ocasionalmente o tratamento não resolve completamente a infecção. Sinais de falha incluem:
- Dor persistente ou recorrente
- Inchaço que não resolve
- Lesão periapical que aumenta em radiografias de controle
Nestes casos, retratamento endodôntico pode ser necessário. Estudos mostram que retratamento moderno tem taxa de sucesso de 81-86%[5] - menor que tratamento primário, mas ainda bastante favorável.
Tratamento de Canal Vale a Pena?
A resposta, baseada em evidências, é sim. Tratamento de canal:
- Tem taxa de sucesso de 86-93% em longo prazo[1]
- Permite sobrevivência do dente por décadas[2]
- Alivia dor e elimina infecção
- Preserva função e estética naturais
- É mais simples e menos custoso que alternativas de substituição
Se seu dentista recomendou canal, provavelmente é a melhor forma de salvar seu dente. A alternativa - extração - é irreversível. Canal dá ao seu dente uma segunda chance.
E aquela reputação terrível? Não reflete a realidade do tratamento moderno. Com técnicas atuais, anestesia adequada e tecnologia apropriada, tratamento de canal é procedimento rotineiro, previsível e bem tolerado.
Se você precisa de canal, não adie. Quanto mais cedo tratarmos, melhor o prognóstico e mais simples o procedimento.




